Este vicio que me alimenta os dias,que nos revejo vezes sem conta em sitios que já nem me são tão familiares.
Perder a respiração sempre que passo por uma sombra de ti, numa ansia que o destino nos junte e que tu compreendas isso como sinal.
Não posso por vontade propria tomar isso nas mãos, o medo e o receio da rejeição iriam destruir o pouco que já há de mim sem ti.
Precisei morrer mil vezes para me desfazer da mágoa, se estou uma pessoa melhor? Não sei, nem me acho digna de te falar, quanto mais de te ter.
Deste-me mil oportunidades e eu as mil usei e esperei por mais uma como se de uma obrigação se tratasse.
O que eu dava por uma, nem que fosse pequena, desajeitada, votada ao fracasso e á morte.
Queria cuida-la, alimenta-la deste amor que parece infinito e que o tempo faz com que apague todos os aranhões que nós insistimos em lhe fazer.
Sei que nunca terei coragem para te procurar e deixo-me viver de ilusões e de histórias para te contar.
Eu já não escrevo algo meu faz tanto tempo.
Parece que o tempo apagou a minha capacidade de escrever sobre o que se passa comigo.
Eu queria revoltar-me sobre o que me acontece, queria reagir mais do que encher simplesmente o copo, ouvir musica deprimente e fingir que tudo está bem para quem me rodeia.
Queria poder gritar com quem me trai, maltratar quem me faz sofrer, vingar-me de quem merece. Podia ser que assim,talvez eu me fosse mais humana e não esta sombra que me sinto e que se alimenta da esperança de um dia voltar a ser quem já foi mas que já sei perfeitamente que já não existe.
Eu apaguei-me e fui apagada, rejeitei o bem que a vida insistiu em dar-me em troco dum ideal que nem era meu.
Agora resta-me fechar os olhos, beber mais um pouco, e recordar as minhas meias verdades porque enquanto eu o fizer, tu e eu somos reais.

Sobre o Fim

“Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar.
A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma.
(…)É preciso aceitar esta mágoa, esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução.
(…)Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.”

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'
Always do sober what you said you'd do drunk. That will teach you to keep your mouth shut.
Ernest Hemingway (1899 - 1961)
é um vicio.
podia ser droga, devia ser tabaco ou até alcool.
"Vive o instante que passa. Vive-o intensamente até à última gota de sangue. É um instante banal, nada há nele que o distinga de mil outros instantes vividos. E no entanto ele é o único por ser irrepetível e isso o distingue de qualquer outro. Porque nunca mais ele será o mesmo nem tu que o estás vivendo. Absorve-o todo em ti, impregna-te dele e que ele não seja pois em vão no dar-se-te todo a ti. Olha o sol difícil entre as nuvens, respira à profundidade de ti, ouve o vento. Escuta as vozes longínquas de crianças, o ruído de um motor que passa na estrada, o silêncio que isso envolve e que fica. E pensa-te a ti que disso te apercebes, sê vivo aí, pensa-te vivo aí, sente-te aí. E que nada se perca infinitesimalmente no mundo que vives e na pessoa que és. Assim o dom estúpido e miraculoso da vida não será a estupidez maior de o não teres cumprido integralmente, de o teres desperdiçado numa vida que terá fim".
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente IV